quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Reflexões despertadas pela Natureza em uma alma irrequieta.

Artigo publicado no Diariodoamapa.com.br no dia 07.12.2013.




O vento sopra forte nas mungubeiras que crescem viçosas às margens do rio, plantadas para frear a queda da ribanceira provocada pelas ondas que seguem o passar dos barcos. O desmatamento da mata ciliar feito por antigos moradores, talvez sem perceber a gravidade de seus atos, quase derrubava a casa que agora pertence à minha família e que protegemos através de barragens e esteiamentos. Como único barulho a cortar o silêncio das 14 horas desta terça-feira 19 de novembro de 2013 está o rio jogando suas águas contra a canoa e o barco aportados em frente à casa, aumentando seu volume acompanhado pelo vento e por algumas araras que passam escandalosamente como se tivessem sido espantadas por alguma besta. O galo canta todo faceiro debaixo de nossa palafita exibindo a masculinidade de sua voz para as galinhas. Outro galo responde do outro lado do igarapé. Uma das galinhas cacareja. Silenciaram... Ouço, neste instante, o cantarolar de pássaros ao lado da casa na torre-escritório que meu marido projetou e fez construir. Meu marido aprendeu a fazer a siesta com os brasileiros. Neste momento ele dorme como um anjo repousando do trabalho que fez com o empregado e, em frente a mim, só tenho o notebook e este rio majestoso, encantado e encantador. Nesta mesma varanda, tomamos o café da manhã e o almoço com a concorrência de pássaros, botos e ariranhas que fazem de seu percurso pesqueiro um verdadeiro espetáculo diário. Que vida boa, sumano! Mas a cólica que comecei a sentir esta manhã depois que joguei veneno em algumas cabas, (ou será que foi o camarão que peguei aqui no rio e não cozinhei bastante?) insiste em me fazer lembrar que, o rio, dependendo da ação do homem sobre a natureza pode ser eterno. Mas, eu não sou eterna, por mais que eu queira me perpetuar através do pensamento e da persistência.
Lembro da música “Tempo perdido”, da Legião Urbana e reconheço o potencial da sensibilidade e da inteligência de Renato Russo (como se este meu voto tivesse algum valor, pois que o mundo já havia consagrado isso antes de mim).
Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo

Aliadas ao ambiente bucólico deste meu tempo presente, estas letras riscam forte nas paredes dos labirintos da memória trazendo à sensibilidade do pensamento lembranças de um tempo que passou, da vida que passou e da juventude que escoou na sua esteira. Agora, aposentada, parece que tenho todo o tempo do mundo. Ledo engano... Minhas três vidas não me deixam ociosa, felizmente. Contribuí com o “destino”, digamos assim, para ter estas três vidas as quais me refiro. Talvez, por medo que a insuportável e viciosa rotina que envolve a maioria das pessoas envolvesse a minha também. Uma vida no Brasil, outra vida na Europa... A terceira vida é a mais simples e a mais gostosa: vivida na beira do rio onde tudo é primário e selvagem. Onde, escutando o grito dos guaribas à tarde e de madrugada sinto a atração ímpar que o mundo selvagem exerce sobre mim. Onde posso remar beirando este rio, desafiando-o e sendo desafiada dando vazão às minhas origens indígenas, que, embora dividindo meu histórico genético com as origens libanesas e européias são as que prevalecem. Junto com meu marido e os empregados, descobri que o trabalho no curral com os animais me agrada acima de tudo. Nestas matas, onde cada passo precisa ser cauteloso para não se pisar em uma cobra (e até dentro da casa!), e adentrar a floresta no lombo dos cavalos requer constante atenção. Aqui, não se usa ferro elétrico, mas, contraditoriamente à primariedade da natureza ao redor tenho uma máquina de lavar louças, outra de lavar roupa, aspirador de pó e uma máquina de fazer pão! Assim, sobra tempo para escrevermos e arranhar notas musicais com a garantia do pão feito em casa enquanto exercemos o intelecto. Como unir o útil ao agradável em um mundo selvagem? Com um certo conforto de primeiro mundo... (Pausa para desenfornar o pão que meu marido começou).
Uma de nossas prioridades agora é a descoberta das atrações dos outros municípios deste belo estado e a freqüência a encontros musicais com a grata satisfação de encontrar novas pessoas. Sair da toca é importante.
(Neste instante, o empregado chama atrás da casa querendo saber sobre a troca de alguns tarugos. Esta é uma das facetas de nossa vida na fazenda).
Chegar ao amadurecimento equilibrada emocional e financeiramente foi uma vitória conquistada. Nasci na hora em que o sol aparecia em frente à casa de meus pais, na Rua Cândido Mendes, em um quarto que depois virou sala de jantar. Fui moleca de correr na rua, brincar de “pira” e de “caí no poço” sem medo de arrastão e de assalto. Apesar de encarar com frieza alguns acontecimentos nem sempre tenho tato para lidar com a emoção. Não sei conviver com a mentira, nem com o fingimento. Desculpem-me os puxa-sacos. Carreei muitos amigos e alguns inimigos com minha franqueza. Não sou Made in China. Não acumulei riqueza. Sempre tive por lema o auto-respeito, a liberdade e a paz de espírito. Investi nos estudos e em viagens. Estes são meus bens e, com eles, não dou margem ao egoísmo e a avareza. Procuro ser honesta e justa comigo mesma e com os outros. Não usurpo o direito dos meus empregados. E sou conhecida assim, além da minha “chatice”, franqueza e alegria.
Vivemos em sociedade. O mundo se agita muito fora daqui deste pedaço bucólico de rio do Norte do Brasil. E a cada segundo tem uma novidade ou uma repetição de fatos.
A novidade deste momento é a prisão dos “mensalistas” que se julgavam acima da lei, e a dor de cabeça do Mr X, que imaginava que era o deus do empreendedorismo (como explicar essa palavra para meu marido?)
O império X s’est cassé la gueule (quebrou a cara) mas já estou aqui matutando com meus botões se esse rapaz não vai aparecer de novo pelo Amapá ou alhures, vestido de santo (ou barganhando mundos e fundos com possíveis “associados” de plantão) e se apoderar de outras riquezas para encher novamente o bolso e tentar recuperar o seu ego falido e machucado. Fico preocupada se nosso povo de memória curta e de credulidade fácil ainda vai reeleger um certo pessoal que, na expectativa de um processo judicial, continua a contar vantagens na cabeça dos simples.
Só nos resta torcer para que vença o justo nesta terra de cegos e neste mundo de caras de pau oportunistas para quem a pimenta no dos outros é refresco.
Neste instante, um homem bom e justo para com o seu ideal de liberdade e fraternidade acaba de transpor o portão do repouso eterno: NELSON MANDELA.

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Uma coisa que adoro.

Uma coisa que adoro.
No inverno, fica tudo assim. Foto:D.B.

Os lagos

Os lagos
Pegamos nossos remos e varejões e saímos com muito cuidado para não triscar nos jacarés e sucuris. Foto: Veneide