sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O espetáculo da vida no rio.

Publicado no Diariodoamapa.com.br em 18.01.2014 As fotos sao minhas.

Foto: Veneide Cherfen

Foto: Veneide Cherfen
Foto: Veneide Cherfen. O peao andarilho.

Foto: Veneide Cherfen
Eu e a canoa.

Sete horas desta manhã de janeiro chuvoso. 25° na beira do rio. No Norte do Brasil, onde a temperatura atinge acima de 30°, uma baixa de 5° faz tirar a roupa mais quente do armário. Tudo tranqüilo na cabeça da ponte. As touças de mururé descem o rio com a vazante para voltarem depois, com a enchente. O boto atrai a atenção com sua magia e beleza fazendo seus mergulhos habituais de pesca. É o terror do pescador quando fura as malhadeiras para atacar os peixes indefesos fazendo-lhes buracos enormes causando duplo prejuízo: um, porque come o alimento que o pescador deveria levar para casa, outro, porque danifica o seu instrumento de sustento. Para as virgens dos vários recantos escondidos da Amazônia, o boto ainda é a desculpa utilizada quando dão com os burros n`água ou, quando desgraçadas pela animália existente em algum próximo, até mesmo da própria família, a barriga começa a crescer. É quando ele se transforma naquele belo homem de olhos azuis vestido de branco e de chapéu na cabeça, que entra nas casas como quem não quer nada, vindo não se sabe de onde mas que, na verdade, vem namorar e engravidar as moças das redondezas. Dizem ainda que, quando ele vai embora deixa um cheiro de pitiú no ambiente e desaparece no ar, ou melhor, na água, sem ser identificado. Só então desconfiam que o intruso era um boto. Aí, é um Deus nos acuda...A boa Maria, que vem de Macapá mas que nasceu e embarrigou a primeira vez na Ilha de Caviana, quando dorme na fazenda fecha todas as venezianas e coloca dentes de alho no sutiã, com medo do boto. Para que a noite se alongue, basta pedir-lhe que conte uma história de boto. Ela solta a língua e repete as lendas de sua terra natal. Entre elas, a história de que uma “buta” deitou-se na rede com o irmão dela e quase o encantou. Os rapazes adoram atiçar a Maria e, no final, todos acabam rindo. Durante o dia, quando a maré sobe, traz consigo os restos de um animal morto que os urubus tentam devorar por cima. Os mururés continuam na sua labuta diária de subir e descer o rio, de acordo com a corrente, sem remar e sem precisar de outro meio de transporte para se locomover a não ser a própria correnteza. No entanto, sabe-se lá que espécies de criaturas levam consigo. Quase se escuta a música silenciosa composta por suas pesadas raízes no atrito das profundezas das águas. O silêncio só é cortado pela canoa que, ao bater na madeira da lancha faz um barulho baixo e ritmado e por um grupo de tetéuas barulhentas que bailam por cima da ponte. Verdadeiro espetáculo. Sem necessidade de ir à Ópera de Paris, de Lyon ou de Douai. Aqui, tem de tudo. O italiano Verdi comporia maravilhas com toda esta riqueza.
No fim da tarde, depois de voltar da roça com os últimos jerimuns e maxixes o empregado remplaçant entra com uma enfiada de acaris e apaiaris pescados ao lado da casa numa rara e agradável surpresa. Depois, vai tomar seu banho no rio e repete o cerimonial habitual para seu passeio noturno. Vai fazer concorrência aos mururés, num descer e subir do rio...remando.

A noite chega depois de um dia chuvoso. Do outro lado do rio, os guaribas gritam chamando as fêmeas. Preparam-se para o encontro. A água continua a descer num vai-e-vem interminável. Os mururés se despedem de nossas vistas para se agarrarem ao primeiro local estável que encontram pelo caminho. Quisera eu poder escorregar como eles sobre as águas!

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Uma coisa que adoro.

Uma coisa que adoro.
No inverno, fica tudo assim. Foto:D.B.

Os lagos

Os lagos
Pegamos nossos remos e varejões e saímos com muito cuidado para não triscar nos jacarés e sucuris. Foto: Veneide