Publicado no Diariodoamapa.com.br em 18.01.2014 As fotos sao minhas.
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Foto: Veneide Cherfen |
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Foto: Veneide Cherfen |
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Foto: Veneide Cherfen. O peao andarilho. |
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Foto: Veneide Cherfen |
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Eu e a canoa. |
Sete horas desta manhã
de janeiro chuvoso. 25° na beira do rio. No Norte do Brasil, onde a temperatura
atinge acima de 30°, uma baixa de 5° faz tirar a roupa mais quente do armário. Tudo
tranqüilo na cabeça da ponte. As touças de mururé descem o rio com a vazante para
voltarem depois, com a enchente. O boto atrai a atenção com sua magia e beleza fazendo
seus mergulhos habituais de pesca. É o terror do pescador quando fura as
malhadeiras para atacar os peixes indefesos fazendo-lhes buracos enormes
causando duplo prejuízo: um, porque come o alimento que o pescador deveria
levar para casa, outro, porque danifica o seu instrumento de sustento. Para as virgens
dos vários recantos escondidos da Amazônia, o boto ainda é a desculpa utilizada
quando dão com os burros n`água ou, quando desgraçadas pela animália existente
em algum próximo, até mesmo da própria família, a barriga começa a crescer. É
quando ele se transforma naquele belo homem de olhos azuis vestido de branco e
de chapéu na cabeça, que entra nas casas como quem não quer nada, vindo não se
sabe de onde mas que, na verdade, vem namorar e engravidar as moças das
redondezas. Dizem ainda que, quando ele vai embora deixa um cheiro de pitiú no
ambiente e desaparece no ar, ou melhor, na água, sem ser identificado. Só então
desconfiam que o intruso era um boto. Aí, é um Deus nos acuda...A boa Maria,
que vem de Macapá mas que nasceu e embarrigou a primeira vez na Ilha de
Caviana, quando dorme na fazenda fecha todas as venezianas e coloca dentes de
alho no sutiã, com medo do boto. Para que a noite se alongue, basta pedir-lhe
que conte uma história de boto. Ela solta a língua e repete as lendas de sua
terra natal. Entre elas, a história de que uma “buta” deitou-se na rede com o
irmão dela e quase o encantou. Os rapazes adoram atiçar a Maria e, no final, todos
acabam rindo. Durante o dia, quando a maré sobe, traz consigo os restos de um animal
morto que os urubus tentam devorar por cima. Os mururés continuam na sua labuta
diária de subir e descer o rio, de acordo com a corrente, sem remar e sem
precisar de outro meio de transporte para se locomover a não ser a própria
correnteza. No entanto, sabe-se lá que espécies de criaturas levam consigo. Quase
se escuta a música silenciosa composta por suas pesadas raízes no atrito das
profundezas das águas. O silêncio só é cortado pela canoa que, ao bater na madeira
da lancha faz um barulho baixo e ritmado e por um grupo de tetéuas barulhentas
que bailam por cima da ponte. Verdadeiro espetáculo. Sem necessidade de ir à
Ópera de Paris, de Lyon ou de Douai. Aqui, tem de tudo. O italiano Verdi
comporia maravilhas com toda esta riqueza.
No fim da tarde, depois de voltar
da roça com os últimos jerimuns e maxixes o empregado remplaçant entra com uma
enfiada de acaris e apaiaris pescados ao lado da casa numa rara e agradável
surpresa. Depois, vai tomar seu banho no rio e repete o cerimonial habitual
para seu passeio noturno. Vai fazer concorrência aos mururés, num descer e
subir do rio...remando.
A noite chega depois de um dia
chuvoso. Do outro lado do rio, os guaribas gritam chamando as fêmeas. Preparam-se
para o encontro. A água continua a descer num vai-e-vem interminável. Os mururés
se despedem de nossas vistas para se agarrarem ao primeiro local estável que
encontram pelo caminho. Quisera eu poder escorregar como eles sobre as águas!
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