sábado, 29 de março de 2014

Acordo entre galinhas.

 Publicado no Diariodoamapa.com.br, de 29.03.2014

Há três anos, compramos um galo e várias galinhas de um empregado que foi demitido. Tudo ia muito bem para a criação até que começamos a desconfiar das respostas do novo empregado e de sua mulher quando perguntávamos o que estava causando o sumiço das penosas. Com a peculiar cara de pau das pessoas que mentem os dois colocavam a culpa nas garras poderosas dos gaviões. Percebia-se que não falavam a verdade. Cada vez que vínhamos à fazenda constatávamos que o número de galinhas diminuía. Até que resolvemos colocar outro empregado. Salvamos o que restou das galinhas e mais alguns frangos. E o que restou é o que existe até hoje e mais outro galo. Fora os trinta ovos que o caseiro remplaçant deixou os cachorros comerem, agora temos três ninhadas em andamento com onze recém-nascidos. O gavião comedor de galinhas sumiu junto com o mentiroso.

Certa vez, observando o galo procurar ninho para as galinhas botarem seus ovos notei como o seu ato paternal era sério e cheio de responsabilidades. Coisa que não me passava pela cabeça quando minha mãe criava, na cidade. A galinha procurava um lugar tranqüilo e quando percebia alguém por perto ela saía toda assustada. O galo entrava em ação chamando cocó, cocó e, caminhando na frente da parceira sobre a ponte, experimentava os lugares para ela aninhar. Ora era a horta suspensa, ora era uma prateleira de colocar trecos na casa do caseiro, ora era o fogão a lenha. Em sua linguagem a galinha o seguia ficando exatamente no lugar onde o macho lhe indicara. Achei incrível! Comparei a atitude do galo com a atitude da maioria dos homens e achei graça.

Das galinhas que restam na fazenda existem duas que resolveram chocar seus ovos no mesmo ninho. Separo os ovos e as galinhas, mas no dia seguinte, encontro-as bem juntinhas e os ovos sozinhos no outro ninho. Passo novamente a teimosa para cima de seus ovos, mas ela volta para o aconchego da colega. Não sou especialista no assunto, mas descobri que isso ocorre porque a verdadeira dona do ninho em comum é aquela que transfiro para o outro ninho. A intrusa é a galinha que não mudo de lugar. Questão de posse ou acordo tácito para proteger a ninhada?

Se a finalidade dessa co-propriedade for baseada no instinto protetor dos futuros filhotes, as galinhas passaram à frente do ser humano. Qual a associação humana que dividiria o seu abrigo com outro que não fosse da família visando a proteção da prole?

Quem garante que entre seres aos quais se condicionou chamar de ininteligentes não exista amor? O que percebemos quando observamos os animais faz-nos acreditar o contrário. O que explica a atitude daquele cachorro que, ao não ver mais o seu dono, percorre mil vezes o caminho que antes percorriam juntos, dono e cachorro, farejando e lamentando a sua ausência. Ou a atitude daquele outro cachorro que acompanhou o féretro do seu senhor até ao cemitério e, a partir desse dia, dorme em cima de sua sepultura? Espera por comida? Não! Sente falta de seu amor.

Então, à atitude do galo que zela pelos ovos de sua companheira; à atitude da galinha que cobre enciumada e protetora seus ovos e, depois, os seus pintinhos, não podemos chamar isso também de amor?

A vaca que parte para cima do estranho quando sente alguma ameaça em relação ao seu bezerro, não sente amor pela cria? É instinto de proteção? E nós, humanos, também temos instinto e temos aquele sexto sentido que não falha. Então, onde está o amor que se quer admitir como particularidade apenas do ser humano, do ser inteligente? Onde está o limite entre paixão, amor e instinto? Podemos até ampliar um pouco os questionamentos e perguntar se existe mais amor em determinados seres humanos do que nos animais irracionais?

Uma coisa que adoro.

Uma coisa que adoro.
No inverno, fica tudo assim. Foto:D.B.

Os lagos

Os lagos
Pegamos nossos remos e varejões e saímos com muito cuidado para não triscar nos jacarés e sucuris. Foto: Veneide