domingo, 30 de outubro de 2016

Outubro Rosa e eu.

Publicado no Diário do Amapá em 25.10.16

Outubro chegando ao fim cumprindo a sua tarefa. É Outono no Hemisfério Norte. As árvores se despem das folhas verdes vestidas pela Primavera e embelezadas com o brilho do sol do Verão, dando lugar a tons amarelos matizados com vermelho ou marrom num espetáculo sem igual. Em suas máquinas, os agricultores aqui no Norte já colheram as batatas, as beterrabas, o trigo, o milho, as ervilhas, o linho... Trabalham de sol a sol na corrida contra o tempo ajudando-se em mutirões na colheita. O proprietário é seu próprio patrão.
É a hora de preparar o terreno para o próximo ano. As mulheres se ocupam do jardim, do pomar e da horta, o que aqui é uma tradição. Muitas são professoras, funcionárias públicas ativas e aposentadas.
A vida continua. A faina agrícola segue seu curso. O que muda de ano para ano é a rotação de culturas que possibilita diminuir a exaustão do solo.  A vida continua para mim também e, cada vez que lembro disso, agradeço a Deus por me permitir fazer parte de toda a beleza que ela representa. Cada vez que o Outubro Rosa passar pela minha vida, lembrarei que fiz parte dessa imensa população atingida pelo câncer. A monoterapia com Avastin (Bevacizumab) ainda não havia terminado e teve que ser suspensa. Minha pressão arterial não suportava mais seus efeitos. Foram 14 meses de tratamento ao todo, incluindo cinco sessões de quimioterapia. “A Senhora agora é uma pessoa normal. A Senhora está boa”. A confirmação da médica só fez efeito em mim quando atravessei o hospital Leonard da Vinci saindo daquela última consulta com a oncologista no início do mês. Olhando as pessoas que aguardavam o tratamento ou uma consulta de controle eu continha as lágrimas que insistiam em escorrer pelo rosto ao imaginar como estaria cada uma delas. Se teriam a mesma chance que eu estou tendo. E até, se essa doença voltaria um dia e eu tornaria a me sentar naquela sala de espera aguardando a enfermeira vir chamar para o tratamento. Não caí em depressão na pós-cirurgia como receavam minhas amigas francesas. Assim que pude, voltei ao esporte. Mas nessa última visita médica naquela manhã, a minha ficha caiu. O fantasma do câncer estará sempre me lembrando dessa fase da minha vida. Naquela manhã, dirigi o carro de volta para casa em lágrimas pois, só aí me dei conta do perigo que passei e que vencemos! Sim, vencemos. Porque esta vitória representa a dedicação de várias pessoas: do meu marido, que sofreu mais do que eu; da equipe médica que me operou ano passado, da oncologista que me acompanhou durante o tratamento inteiro, profissional muito responsável que só sai do hospital no final da tarde, depois que atender o último paciente.
Outubro Rosa. Seja bem-vindo sempre! A campanha de conscientização e prevenção do câncer deve estender-se também à parte que a mulher tem de mais íntimo e que lhe proporciona ser mãe: os ovários.
O câncer atinge a população do mundo inteiro. E o que comemos influencia muito. O Brasil precisa adotar uma política mais séria de prevenção e de tratamento da doença em relação aos recursos que possibilitem a todos, sem exceção, serem tratados. Não se deve admitir a falta de medicamentos ou a exclusão de pessoas. O tratamento contra o câncer deve ser acessível a todos. Os protocolos devem ser seguidos à risca para obter-se bons resultados. Para o doente, é vital a certeza que o remédio esteja disponível no hospital e que a periodicidade de seu tratamento seja respeitada. O estresse da incerteza também mata. Aqui, pagamos um plano de saúde que não é caro. Todas as consultas, remédios, injeções, exames, etc., no que dizem respeito a esse tratamento, estão cobertos pelo plano.

Outubro Rosa sai deixando a porta aberta para Novembro Azul que está chegando. Mas fica o alerta: não esperem por uma campanha nacional. Cuidem-se sempre! 

Infância ultrajada.

Publicado no Diário do Amapá em 19.10.16

Grosseria irônica do descaso: Na semana em que se festejava o Dia da Criança e o Dia do Professor, a reportagem do Jornal do Amapá do dia 14 de outubro último noticiou o “estupro de uma criança de 9 anos dentro de uma escola estadual por um condenado da justiça, que cumpria pena alternativa na escola”. O que certamente chocou os amapaenses.  Não bastasse o governo, ordenador de despesas, suspender os contratos de vigilância com os terceirizados deixando à margem da economia muitos pais de família e, em consequência, desprotegendo as escolas, professores e alunos, agora temos essa ameaça com passe livre nas nossas escolas.
Cabe aos órgãos competentes investigar a autoria do fato alegado bem como a responsabilidade de quem possibilitou ao condenado cumprir pena dentro de uma escola, e, se realmente, o autor era um apenado cumprindo pena.
O certo é que não podemos ficar com a boca aberta tentando engolir o susto, nem limitar nossa indignação com tantos fatos violentos que vem acontecendo em nossa terra aos comentários em família e entre amigos. Não podemos ficar omissos quando sabemos que, além de todos os problemas causados pela falta de segurança de nossas escolas que estão sendo depredadas e saqueadas e seus professores agredidos por vagabundos, nossas crianças não podem nem ir ao sanitário sozinhas porque o bandido, de tocaia, ataca para roubar a sua inocência da forma mais vil e desumana! Em que ambiente estamos criando nossos filhos??
O Estado é o ente responsável pela segurança de nossa população mas aí, caríssimos, o Amapá está deixando a desejar. E muito! E não é falta da polícia, não. A polícia não é composta só do efetivo humano. Precisa de toda uma estrutura material e apoio moral para ser eficiente, além de valorização profissional. Policiais são seres humanos que arriscam a própria vida para proteger outros seres humanos. Escola é lugar de crianças, de jovens, de mestres, de livros e não de bandidos! Escola é lugar de alegria e não de tristeza; escola é lugar de formação de pessoas, futuros adultos; lugar de aprendizagem. É às escolas que confiamos nossos filhos e netos! Se não pudermos mais confiar nas escolas na certeza que lá nossas crianças estarão seguras, o que será de nós?? O que será de nosso estado, de nosso país?? O que será de nosso povo, de nosso futuro??
Acorda, Amapá! Tuas ruas estão tomadas pela bandidagem! E isso é consequência do desemprego; da falta de investimento e acompanhamento da infância que, hoje, se tornou bandida; da falta de segurança e da aplicação efetiva das leis. E também, da falta de respeito às leis. E tudo isso tem como base a negligência para com a Educação! Sem falar na corrupção e nos comportamentos ilícitos de quem só quer um cargo político para se beneficiar!
A questão agora é: quem vai reparar o erro que deu causa ao crime contra essa inocente? Ou ao menino que também foi violentado em uma escola meses antes, ainda segundo a reportagem. Ninguém pode reparar! O prejuízo está feito. Irreparável! Corpo e mente destruídos. A inocência e a segurança de nossas crianças não estão sendo levadas em consideração. Onde chegaremos com esse estado de coisas? Assaltos todos os dias! Bandidos armados em cada esquina esperando dar o bote. Comerciantes, clientes e população assustados. Estamos ultrapassados pela violência!

Amapá, o pote de ouro de certos políticos virou um bacio cheio de fezes para seus habitantes! Infelizmente! Desculpem a expressão. Amo a minha terra e seu povo, pois faço parte deles. Mas estou me sentindo envergonhada perante os pais dessa criança e de tantas outras que sofrem por falta de uma política direcionada para a proteção infantil pois, proteger as escolas é também proteger seus usuários e funcionários. 

A cidade e o país dos meus sonhos.

Publicado no Diário do Amapá em 27.07.16

Convido o caro leitor a dividir um sonho comigo. Mas advirto que qualquer semelhança com a realidade brasileira é mera coincidência. Então, feche os olhos porque isto aqui é um sonho, como eu já disse.
Estamos passeando pelo nosso país, nosso estado e nossa cidade. Estamos sonhando que passamos por ruas limpas, com faixas para pedestres, com ciclovias e rotatórias. Aqui neste sonho os eleitos Presidentes da República, prefeitos, governadores, senadores, deputados e vereadores só têm intenções voltadas para o bem-estar da população. Não fazem o que bem entendem com os recursos públicos nem pedem propinas dos empresários. E nem tentam subornar funcionários públicos. O povo não é obrigado a votar mas, quando vota, vota consciente.
O nosso sonho é tão real que acabamos por acreditar que as praças são limpas e seguras e que podemos brincar com nossas crianças no parquinho sem receio de sermos assaltados, ou coisa pior. Constatamos que ninguém se apodera das flores de seus canteiros nem agride os bancos e brinquedos colocados à disposição da população.
Neste sonho que estamos dividindo, as pessoas se cumprimentam e se respeitam. Não se encaram nos olhos a não ser que estejam conversando. E não estão nem aí se você se veste de roxo ou se você é religioso ou ateu porque, na verdade, o que importa é que todos cumpram o seu papel na sociedade livre.
 Na cidade dos nossos sonhos os idosos são respeitados e têm vida longa. O profissional da saúde vai até ele se o idoso não puder ir ao hospital. Eita sonho lindo! Não tem crianças nas ruas em situação de risco trabalhando ou esmolando. Criança vai à escola em tempo integral. É a melhor fase para a aprendizagem e as crianças estão abertas a tudo.
Os motoristas diminuem a velocidade de seus veículos pelo fato de ser horário de saída das crianças da escola. É raro o motorista que passa a mais de 30 km/hora em frente a uma escola. Além de ser velocidade máxima imposta por lei, criança é respeitada.
As ruas estão sempre em bom estado de conservação, os redutores de velocidade são lombadas, são canteiros dividindo e estreitando as mãos de direção para evitar a ultrapassagem forçada. Tudo para evitar acidentes. E os motoristas não reclamam de lombadas, nem de radares. Nas confluências das ruas e rodovias as rotatórias são perfeitas.
Os serviços públicos funcionam. Não podemos dizer que a cidade dos nossos sonhos seja perfeita, mas, nela, a corrupção não mata. Os hospitais são, na maioria, particulares e os médicos, enfermeiros, etc, têm dedicação exclusiva porque assim é a lei e os salários são bons. Os planos de saúde são aceitos em todos os hospitais da rede particular. Todo cidadão é aceito, mesmo aquele que não tem plano de saúde.

Pagar empregada com dinheiro público nem pensar! Quem não pode pagar os custos de uma empregada doméstica mas contrata uma faxineira para trabalhar 3 horas por semana, é considerado de padrão social médio. Na cidade dos meus sonhos, ou melhor, dos nossos sonhos o salário mínimo permite que uma empregada doméstica tenha um carrinho modesto. Maracutaias entre políticos ou alguns funcionários existem, mas em nível ínfimo. Afinal, não existe perfeição. Mas nem por isso justifica-se.

O espetáculo da vida no rio (escrito antes do fechamento das duas mais recentes barragens no Rio Araguari).

Republicado  no Diário do Amapá em 29.07.16

Sete horas desta manhã de janeiro chuvoso. 25° na beira do rio. No Norte do Brasil, onde a temperatura atinge acima de 30°, uma baixa de 5° faz muita gente tirar a roupa mais quente do armário. Tudo tranqüilo na cabeça da ponte. As touças de mururé descem o rio com a vazante para voltarem depois, com a enchente.
O bando de mergulhões se aproxima rápido com uma coreografia natural peculiar seguindo seu líder. A maneira como freiam com os pés, repentinamente, desde que localizam um cardume provoca admiração ao espectador. Alimentados e molhados, param adiante sobre os frechais de cercas ou sobre as cabeças de tarugos permanecendo com as asas abertas até o próximo voo.
O boto atrai a atenção com sua magia e beleza fazendo os mergulhos habituais de pesca. É o terror do pescador porque fura as malhadeiras para atacar os peixes indefesos deixando buracos enormes causando duplo prejuízo: um, porque come o alimento que o pescador deveria levar para casa, outro, porque danifica o seu instrumento de sustento.
Para as virgens dos vários recantos escondidos da Amazônia, o boto ainda é a desculpa utilizada quando dão com os burros n`água ou, quando desgraçadas pela animália existente em algum próximo, até mesmo da própria família, a barriga começa a crescer. Segundo a lenda, o boto se transforma naquele belo homem de olhos azuis vestido de branco e de chapéu na cabeça, que entra nas casas como quem não quer nada, vindo não se sabe de onde mas que, na verdade, vem namorar e acaba engravidando as moças das redondezas. Diz ainda que, quando o estranho vai embora deixa um cheiro de pitiú no ambiente e desaparece no ar, ou melhor, na água, sem ser identificado. Só então desconfiam que aquele belo homem era um boto. Aí, é um Deus nos acuda...A boa Maria, que vem de Macapá mas que nasceu e embarrigou a primeira vez na Ilha de Caviana, quando dorme na fazenda fecha todas as venezianas e coloca dentes de alho no sutiã, com medo do boto. Para que a noite se alongue, basta pedir-lhe que conte uma história de boto. Ela solta a língua e repete as lendas de sua terra natal. Entre elas, a história de que uma “buta” deitou-se na rede com o irmão dela e quase o encantou. Os rapazes adoram atiçar a Maria e, no final, todos acabam rindo.
Durante o dia, a maré sobe trazendo consigo os restos de um animal morto que os urubus tentam devorar por cima. As piranhas já se encarregaram da parte submersa.
Os mururés continuam na sua labuta diária de subir e descer o rio, no embalo da correnteza, sem remar e sem precisar de outro meio de transporte para se locomover a não ser a própria água. No entanto, sabe-se lá que espécies de criaturas levam consigo! Quase se escuta a música silenciosa composta por suas pesadas raízes no atrito das profundezas das águas...
O silêncio só é cortado pela canoa que, ao bater na madeira da lancha faz um barulho baixo e ritmado e por um grupo de tetéuas barulhentas que bailam por cima da ponte. Verdadeiro espetáculo. Sem necessidade de ir à Ópera de Paris, de Lyon ou de Douai. Aqui, tem de tudo. O italiano Verdi comporia maravilhas com toda esta riqueza.
No fim da tarde, depois de voltar da roça com os últimos jerimuns e maxixes o empregado remplaçant (substituto) entra com uma enfiada de acaris e apaiaris pescados ao lado da casa numa rara e agradável surpresa. Depois, vai tomar seu banho no rio e repete o cerimonial habitual para seu passeio noturno na fazenda vizinha distante dois quilômetros de nossa casa, ou encontrar uma paquera que não pretende botar a culpa da barriga no boto. Vai fazer concorrência aos mururés, num descer e subir do rio...remando.
A noite chega depois de um dia chuvoso. Do outro lado do rio, os guaribas gritam chamando as fêmeas. Preparam-se para o encontro. A água continua a descer num vai-e-vem interminável.
Os mururés se despedem de nossas vistas para se agarrar ao primeiro porto que encontram pelo caminho. Quisera eu poder escorregar como eles sobre as águas!


(Em 2015, depois do fechamento das barragens, as águas de inverno do baixo Araguari já não subiam nos campos como outrora. Em abril deste ano de 2016, quando deveriam estar a meio metro de altura nos pés da palafita residencial, mal chegavam no meio da ponte da frente da casa. Para melhor compreensão a ponte em frente à casa tem trinta metros de comprimento e a profundidade do rio na cabeça da ponte é de seis metros. As águas do rio estão recuando na direção de seu talvegue próximo a cabeça da ponte em novembro, o que só acontecia em janeiro. A foz do Rio Araguari fechou sim, mas a causa principal foi a construção dessas duas últimas barragens que impedem a vasão das águas que expulsavam os sedimentos na sua foz fazendo o rio correr mais forte para a vala que vai até o Rio Gurijuba).

Uma coisa que adoro.

Uma coisa que adoro.
No inverno, fica tudo assim. Foto:D.B.

Os lagos

Os lagos
Pegamos nossos remos e varejões e saímos com muito cuidado para não triscar nos jacarés e sucuris. Foto: Veneide